quarta-feira, 14 de agosto de 2013


Linha 3 - Vermelha


Tanto indo quanto vindo.
Todo dia é sempre igual.
Viajamos espremidos.
Tudo feito animal.
Se empurrando por espaço.
Numa cobra de metal.

Infernal vida diária.
Por qual passa o cidadão.
Que ao ano em impostos.
Paga mais que um trilhão.
Somos feitos de idiota.
E tratados feito cão.

Mantenha-se à direita.
Compre o bilhete ou passe o cartão.
Inspire bastante antes de entrar.
Estará abafado no vagão.
Fique atento... Sempre atento.
Na espreita talvez haja um ladrão.

O sentido é Palmeiras – Barra-Funda.
Apertem os cintos que o trem já vai.
No rimar de uns versos.
E no balanço deste vai e vai.
Do trem e do povo.
Do novo que logo se esvai.

Soa o apito; as portas fecham-se.
Quem entrou, entrou... Já era...
Ainda há ar suficiente.
Próxima estação Patriarca.
É o que diz a moça nos falantes.
A plataforma deve estar lotada.

Mas vamos embora.
Quem chora perde hora.
Com coisa pouca.
Com misérias que viram bola.
Suspeita confirmada.
A plataforma está lotada.

Os que estão dentro firmam o corpo.
Garantem o mínimo de espaço.
Antes que a massa invada.
E também queira um cantinho.
A massa invade.
Na segunda estação já o aperto.

Mas vamos embora; soa a porta.
Guilhermina-Esperança a próxima estação.
A terceira de bastantes.
Que ainda virão.
Odores e olhares já presentes.
No balanço e aperto do vagão.

Mais uma plataforma cheia.
Mais perfumes para dentro.
E fedores também.
Num dia-a-dia cruento.
A sobreviver ao invés de viver.
Sem fundamento...

A terceira chegou.
Abrem-se as portas.
De novo a massa.
Bolsas, braços e bundas.
A clamar por espaço.
Linha 3 – Vermelha.

Soa a campainha.
Fecham-se as portas.
Quem entrou, entrou...
Não há frestas.
Já não há conforto.
Alguém pede para abrir as janelas.

Logo vem a próxima.
Na plataforma mais pessoas.
Gente que paga fortuna.
Para andar em latas.
Essa é a verdade escarrada.
Em nossas caras.

Vila Matilde.
Soa a campainha.
Ninguém reclama.
A não ser uma ou outra pecuinha.
Já não dá para se mexer.
Nem comprar do menino umas balinhas.

Fecham-se as portas.
Os guardas seguram a massa.
Próxima estação, Penha.
E mais gente na plataforma.
Soa a campainha.
E invade de novo a massa.

Mais aperto, mais sufoco...
Um abuso aqui, um furto ali.
É o metrô de manhã.
Sem flores... Sem colibri.
E tem que ser forte.
Tal qual o Ali.

Soa os falantes.
Próxima estação, Carrão.
Lembro-me da Romero.
A praça da curtição.
Novamente plataforma cheia.
Mais gente... Mais empurrão...

O vagão balança.
Freia, avança e freia de novo.
Próxima estação Tatuapé.
Todo mundo igual a gado.
Duas portas se abrem...
Mas já não há espaço.

E agora é verdade.
Espaço não há.
Quando chegar no Brás, fudeu.
Espaço não há...
Que loucura essa linha.
Linha 3 – Vermelha...

O ventinho não entra.
Um trem ou outro tem ar-condicionado.
Mas nunca dou sorte.
Sempre pego os vomitados.
Para piorar do meu lado um perfume.
Daqueles bem adocicados.

A moça volta aos falantes.
Indica o lado esquerdo do trem.
Já não cabe mais gente.
Estação Belém...
E vem mais gente.
Que se espreme com o que tem.

As portas abrem-se.
Uma axila já em minha cara.
Idosos viajam em pé.
Uma mulher é sempre encoxada.
É cada um por si.
Nessa cobra de metal lotada.

Não dá para reclamar.
Só quem sabe soltar uma lágrima.
Mas vamos à frente.
Bresser-Moóca é a próxima.
E é certo que entrará mais gente.
É a luta... É a lástima...

Abrem-se as portas.
Dois ou três tentam entrar.
Uma desiste.
E pela cara deseja chorar.
Mas não adiantam lágrimas.
O certo é aprender a votar.

Fecham-se as portas.
E nos olhares um medo.
Pois lá vem o Brás.
E aí sim será aperto.
Uma multidão espera.
Um vagão já no aperto.

Desembarque pela esquerda.
É o que soa dos falantes.
Na direita a massa espera.
Para um terrível instante.
As portas se abrem.
E é a vez do levante.

Da massa que invade.
Com jeitinho e empurrão.
E o que já era apertado.
Agora sim é vida de cão.
Ninguém tem piedade.
Muito menos compaixão.

O trem vai partir.
É o que indicam luz e campainha.
Parece guerra; parece ódio.
Não adianta chamar mãinha.
Aguente firme, só mais duas e já é a Sé.
É o que diz ao lado uma velhinha.

Dá coragem, e o povo se segura.
Parque Dom Pedro é a próxima...
O aperto está foda.
Vida que castiga a alma.
Que desça alguém na próxima.
É o quê o povo clama...

As portas se abrem.
Alguns agradecem o arzinho.
Desce uma e quatro sobem.
Todo mundo garante um cantinho.
Raramente com flores.
Mas na base de muito espinho.

Soa a campainha.
E espreme que as portas vão fechar.
Alguém geme; uma menina solta um leve ai.
E massa continua a empurrar.
Só falta uma...
Todo mundo reza para a Sé chegar.

Fecham-se as portas.
E tem gente que não pois o pé no chão.
Parece até circo.
Ou país que tem corrupção.
Não adianta chorar.
É assim que vive o cidadão.

Soa os falantes.
Pelos quais se anuncia a Sé.
Todo mundo se segura.
Todo mundo tem fé.
Que ninguém vai empurrar.
Que ninguém vai ser mané.

A massa se prepara.
Chega a estação.
Nalguns olhos, o medo.
Em todos uma grande tensão.
Uns vão sofrer.
Outros vão por empurrão.

As portas se abrem.
E mesmo quem não quer, sai.
Pés são pisados.
A razão se esvai.
Não há piedade.
E nem adianta clamar ao Pai.

Uma velhinha cai.
A menina da encoxada, agradece.
Mais um dia começa.
Alguns clamam por prece.
Para que algo seja feito.
Mas nada acontece...

Somos tolos.
Representados por vermes.
Somos coitados.
Calados, atados e inertes...
Vivemos sofrendo.
Enquanto alguém se diverte.

Soa a campainha.
E o povo segue a vida.
Para alguns, baldeação.
Mais um dia de corrida.
Na mesma loucura...
Linha 3 – Vermelha... Linha minha...




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